Os primeiros censos de Brasília – desmistificando as lendas urbanas.

Os primeiros censos de Brasília – desmistificando as lendas urbanas.

Nos últimos meses de 1956, iniciaram-se as obras de construção da Nova Capital. O fluxo de pessoas foi imediato.

Em pesquisa ao levantamento realizado pela Inspetoria Regional de Estatística de Goiás, em 1957, coordenada pelo estatístico Célio Fonseca fomos surpreendidos com dados inusitados.

Senão vejamos:

Em 20/07/1957, tínhamos na construção de Brasília apenas 6.283 habitantes, sendo 4.600 homens e 1.683 mulheres, por grupos de idade 2.090 até 20 anos, 2.075 de 21 a 30 anos, 1.583 de 31 a 50 anos, 191 maiores de 51 anos e 344 não declarada a idade.

Tínhamos 3.988 solteiros, 1974 casados, 84 viúvos, 5 desquitados e 232 não declarado o estado civil.

O mais inusitado é o fato que os chamados primeiros “candangos” que tanto colaboraram na construção da nova capital inicialmente não eram nordestinos, a grande maioria eram os goianos, mineiros e paulistas.

 

Estado   Estado   Estado  
Goiás 3.152 Estado do Rio 50 Rio Grande do Sul 10
Minas Gerais 1.154 Piauí 48 Sergipe 8
São Paulo 493 Ceará 45 Santa Catarina 8
Bahia 296 Rio Grande do Norte 36 Rondônia 4
Paraná 115 Maranhão 27 Amazonas 4
Distrito Federal 265 Amapá 24 Estrangeiros 18
Pernambuco 105 Pará 22 Não declarados 238
Mato Grosso 62 Espírito Santo 20
Paraíba 61 Alagoas 10 TOTAL 6.283
Fonte: Recenseamento de Brasília IBGE de 20/07/1957

 

Com a vinda de inúmeros de goianos oriundos de cidades vizinhas de Brasília (Planaltina, Formosa e Luziânia), chama atenção à vinda de 42 mineiros, de Araxá-MG em 18 de outubro de 1956, com a missão de erguer o “palácio de tábuas”, o Catetinho construído entre os dias 22 e 31 de outubro de 1956 e em 10 de novembro se deu a sua inauguração.

Segundo a ocupação profissional a grande parte era de trabalhadores não especializados (1766), marceneiros e carpinteiros (476), pessoal administrativo (272), comerciantes (228), estudantes (186), motoristas (156), pedreiros (131), mecânicos (97), comerciários (76), tratoristas (71), eletricistas e bombeiros (71), armadores (55), lavradores (32), engenheiros, topógrafos e agrimensores (30), pintores (17), cozinheiros (15), bancários (14), ferreiros (13), professores (12), construtores (10), enfermeiros (9), médicos (6), alfaiates (6), barbeiros (6), fotógrafos (4), radiotelegrafistas 93), farmacêuticos (3), dentistas (3), tintureiros (3), lustradores (2), sapateiros (2), pastores (1), escultor (1), menores (1.407), atividades domésticas (992), outras ocupações (41), não declaradas (65) e 11 desempregados. Curiosamente no censo oficial de 1957 não tínhamos advogados.

A frota de veículos era composto de 136 caminhões, 35 jipes, 42 tratores, 14 camionetas, 5 carros-tanque, 5 rolos compressores, além de outras máquinas especializadas de terraplanagem.

O “Núcleo dos Bandeirantes” era o bairro mais populoso com 2.212 pessoas, onde foram concedidos lotes às pessoas que ali quisessem se estabelecer por um prazo de até 5 anos, explorando atividade comercial ou industrial e que em tese a parte habitacional desapareceria após a inauguração da nova capital. O comércio pujante era composto de 30 armazéns, 15 casas de tecidos e armarinhos, 9 restaurantes, 8 bares, 8 casas de construção, 5 mercearias, 5 açougues, 4 casas de comércio misto, 3 marcenarias, 3 oficinas mecânicas, 3 farmácias, 2 padarias, 2 casas de peças de automóveis, 1 casa de móveis, 1 serraria, 1 posto de gasolina, 1 papelaria/livraria, 1 tipografia e uma fábrica de cimento.

O setor de hotelaria e pensões dispunha de 13 unidades de madeira com 162 quartos com colchões de mola, com uma capacidade para 380 hóspedes. Funcionavam duas escolas primárias, uma capela católica, uma igreja protestante, um jornal semanário “Hora de Brasília”, um cinema e um serviço de publicidade por alto-falantes.

Em 1958, em uma nova na contagem ocorrida a 13 de março, pela Comissão Censitária Nacional, totalizou 28.804 habitantes, com cerca de 4.500 pessoas vivendo na zona rural. Logo em seguida a 17 de maio de 1959, um levantamento demográfico-habitacional obteve um novo resultado, onde foram recenseadas 64.314 pessoas incluindo a área rural e a chamada cidade velha (atual Planaltina).

CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO
GRANDES ÁREAS CENSO

DE 20/7/57

CENSO

DE 13/3/58

CENSO

DE 17/5/59

INCREMENTO (%)
20/7/57  a 13/3/58 13/3/58 a 17/5/59
TOTAL 12.283 28.048 64.314 134,5 123,3
Plano Piloto1 4.071 15.042 34.214 269,5 127,5
N. Bandeirante 2.212 7.033 11.565 217,9 64,4
Outras áreas 2 6.000 4.864

1865

16.288

2.247

12,2 234,9

20,5

e Planaltina
1-Compreendendo os Acampamentos e o núcleo de Bananal (surgido posteriormente ao censo de 1958)

2-Compreendendo o quadro rural e os núcleos estáveis, Brazlândia e Taguatinga (fundado posterior ao censo de 58).

Vale a pena salientar que na distribuição por sexo na população total, em 1959, o número de 42.332 pessoas do sexo masculino correspondendo a 65,8 % do total e 21.982 do sexo feminino com 34,2%. A proporção extremamente elevada de quase 2 homens para uma mulher, com exceção de Planaltina com 1078 mulheres por 1000 homens.

A maioria dos homens que imigravam para Brasília naquela época eram predominantemente solteiros. Os casados, inicialmente vinham sozinhos motivados pelo emprego e, em seguida, traziam as suas esposas. Com isso o aumento notável da participação das mulheres, em apenas 16 meses, entre o Censo Experimental de Brasília em 1959 e o Censo de 1960.

Outro fato relevante às pessoas que declararam ter nascido no DF representavam 4,2 % de toda a população. Parte dessa explicação em relação a 1959 está na informação de antigos moradores da região, que se declararam naturais do DF ao invés de ser declararem goianos.

O censo de 1960 apontou que os homens representavam 89,7 % da mão de obra disponível e a construção civil se constituía na mola propulsora da economia do DF.

Na análise dos dados do censo oficial de 1960 depreende-se novamente em primeiro lugar os goianos com 24.617 pessoas seguido por Minas Gerais com 24.517 e os baianos em terceiro com 13.553. No somatório das regiões verifica-se  que os nordestinos ficam em primeiro lugar com 58.081, seguido do Sudeste com 43.008, depois o Centro-Oeste com 25.833, a região  Sul com 2.777 , os estrangeiros com 3.079 e a região Norte com 1.272 pessoas. Interessante salientar o baixo número de saídas apenas 196 pessoas num total de 134.050 pessoas na data da inauguração da nova capital. A menor representação do Amapá com apenas 3 pessoas.

Transcorridos dez anos da inauguração da nova capital, em 1970, a região Nordeste se consolida com 166.900 pessoas destacando os baianos com 35.608, os cearenses com 30.400, os paraibanos com 25.606 e os piauienses com 25.011 pessoas.

Os números demonstram o grande avanço dos mineiros com 100.867 perfazendo novamente na maior colônia, seguido pelos goianos com 66.261, os baianos 35.608 e os 32.820 originários do Rio de Janeiro com o aumento significativo de representantes em virtude da transferência de muitos servidores públicos federais e 2.430 resolveram voltar para o Rio de Janeiro. Os estrangeiros perfaziam um total de 4.584 pessoas.

Na década seguinte, em 1980, os mineiros continuam na liderança com 164.218, seguido novamente pelos goianos com 96.696, pelos cearenses 70.184 , pelos baianos com 65.109 e em quinto lugar os piauienses com 60.529 pessoas. Observa-se uma parcela significativa de goianos 25.350 que deixaram a capital. O saldo migratório foi de 743.052 pessoas.

No censo de 1991, os números demonstram a consolidação dos mineiros como a maior colônia com 167.865,  os piauienses assumem o segundo lugar com 88.422 pessoas, os baianos com 86.478 representantes, os cearenses com 85.543 e o número surpreendente de goianos 129.834 dos quais 66.815 deixaram a capital em número superior ao total de maranhenses 60.952, fazendo com que os goianos caiam para a quinta posição. O saldo migratório chega a 815.023 pessoas em apenas uma década.

No censo do ano 2000, os mineiros pela quinta vez consecutiva continua na liderança com 168.732 pessoas, seguido pelos piauienses com 111.753 ,em terceiro os baianos com 110.929 e em quarto os maranhenses com 93.390.A região Norte 27.220 ultrapassa a região Sul com 23.625.

No censo de 2010, os mineiros continuam na liderança com 167.112 pessoas, seguido pelos piauienses com 117.141, em terceiro os baianos com 115.004, em quarto os maranhenses com 109.157 e na quinta posição os cearenses com 79.800.Curioso salientar que a região Centro-Oeste obteve um número negativo de saídas com o grande fluxo de goianos 234.718 que deixaram a capital.  O saldo migratório foi de 769.013 pessoas. Um dos principais fatores para tal movimentação o alto custo da moradia no DF, fazendo com que as pessoas fixassem residência na área metropolitana.

Observa-se enquanto o Nordeste e Sudeste se constituíram sempre nas regiões de naturalidade da maioria dos imigrantes, o Centro-Oeste, por sua vez, foi a que, ao longo do tempo, mais recepcionou os emigrantes do DF, seguido pela região Sudeste.

As regiões Norte e Sul tiveram pouca representatividade no conjunto da população do DF.

A tabela comparativa demonstra que inicialmente os goianos eram em maior número depois superado nos censos posteriores pelos mineiros.

1957 1960 1970 1980
1º GO 3.152 1º GO 24.617 1º MG 100.867 1º MG 164.218
2º MG1.154 2º MG 24.517 2º GO 66.261 2º GO 96.696
3º SP 0.493 3º BA 13.553 3º BA 35.608 3º CE 70.184
4º BA 296 4º CE 12.549 4º RJ 32.820 4º BA 65.109

 

1991 2000 2010
1º MG 167.865 1º MG 168.732 1º MG 167.112
2º PI 88.422 2º PI 111.753 2º PI 117.141
3º BA 86.478 3º BA 110.929 3º BA 115.004
4º CE 85.543 4º MA 93.390 4º MA 109.157

A mudança da capital federal demonstrou um fenômeno demográfico jamais visto no cenário nacional. Os dados demonstraram que na saga da construção a maioria dos trabalhadores eram homens jovens com baixa escolaridade, diferente do senso comum o maior número de trabalhadores  era oriundo dos estados de Goiás e de Minas Gerais quebrando o tabu que os chamados “candangos” eram inicialmente na sua maioria nordestinos.

Outro ponto importante é que nos censos de 1957, 1959,1960 e 1970 não há um único registro de presença de povos indígenas na nova capital.

Hoje os nascidos no DF representam a grande maioria, mas a presença da geração de pioneiros com os seus filhos, netos e bisnetos continua sendo uma marca indelével de integração e de unidade nacional, afinal Brasília é a capital de todos os brasileiros.

Professor Paulo Fernando Melo

 

 

 

 

 

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