“Se a lei é contra mim, vamos ter que mudar a lei” Senador Assis Chateaubriand

Por: Prof. Paulo Fernando Melo

Em plena vigência do Código Civil de 1916, durante o Estado Novo do ditador Getúlio Vargas, o empresário, jornalista, mecenas, político, embaixador e galanteador paraibano Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo (45 anos) travou uma batalha judicial épica com a Sra. Cora Acuña (15 anos) pela guarda da filha Teresa Acuña (a Teresoca) nascida em 1934.

Chateaubriand era legalmente casado com a Sra. Maria Henriqueta Barrozo do Amaral, mas dela separado de fato desde 1930 e não pode registrar a filha, pois, à época, os filhos havidos pelo cônjuge fora do casamento não eram reconhecidos legalmente, recebendo a alcunha de “bastardos”.

O jornalista, que era amigo fraterno do ditador Vargas, o pressionou por dois anos até que o gaúcho promulgou o Decreto-Lei nº 4.737, de 24 de setembro de 1942, que permitia o reconhecimento, mesmo depois do desquite, de filhos havidos fora do matrimônio.

Ardilosamente, Assis Chateaubriand providenciou o desquite da primeira esposa, mas se deparou com o art. 16 do Decreto-Lei nº 3.200, de 1941, que estabelecia o pátrio poder, consequentemente também a guarda, somente poderia ser exercido “por quem primeiro reconheceu o filho”.

Isso não foi problema para Assis Chateaubriand que, pressionando novamente o ditador Vargas, viu editado o Decreto-Lei nº 5.213, de 21 de janeiro de 1943, que modificou o art. 16 do Decreto-Lei nº 3.200/41, que asseverava:

“o filho natural, enquanto menor, ficará sob o poder do progenitor que o reconheceu e, se ambos o reconheceram, sob o do pai, salvo se o juiz entender doutro modo, no interesse do menor”.

Este novo decreto ficou conhecido como a “Lei Teresoca” e demonstrou a subserviência do ditador ante o poderio da imprensa comandada por Assis.

Chateaubriand, em audiência com o juiz substituto da 4ª Vara de Órfãos e Sucessões do Rio de Janeiro – o Dr. Elmano Cruz que atuava como substituto do reconhecidíssimo jurista Dr. Nelson Hungria -, esbravejou se recusando a devolver a filha, sendo expulso pelo meritíssimo da sala de audiências.

Endiabrado, Chatô, aos berros, reagiu: ”Eu posso não ter o direito, seu juizinho de merda, mas tenho algo mais importante: tenho razão! Sua carreira terminou hoje, aqui, agora. […] Se o senhor está pensando que vai ser desembargador, juiz do tribunal, pode tirar o cavalo da chuva. Sua carreira acaba hoje! E saiba que seu despacho vai ser anulado, seu juiz de merda!” – isso foi retratado pelo escritor Fernando Morais na obra “Chatô, Rei do Brasil” da Companhia das Letras, 1994.

O juiz Elmano Cruz virou desembargador e o titular Nelson Hungria virou ministro do STF.

Assis manteve uma vida agitada, já em 1924, com os amigos Alfredo Pujol e Alexandre Mackenzie, adquiriu o “O Jornal” (RJ) e depois o “Diário da Noite” (SP), foi o início do grande império jornalístico, o chamado “Diários Associados”. Getúlio Vargas, por sua vez, assegurou a metade do recurso necessário para a fundação da renomada revista colorida “O Cruzeiro”.

Em 1930, Chatô fez campanha aberta para Vargas e novamente obteve recursos para fundar o “Diário de São Paulo” (SP) e o “Diário da Noite “(RJ).

Com o assassinato do seu conterrâneo, João Pessoa, candidato a vice-presidente da República em julho de 1930, fez veemente campanha contra o governo federal.

Apoiou a Revolução Constitucionalista de São Paulo de 1932, sendo perseguido por causa disso e ficou foragido nas fazendas no interior da Paraíba. Em 1934, comprou a primeira estação de rádio, a “Tupi”(RJ), e logo depois a “Tamoio“ (RJ).

Fez campanha contra os comunistas da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e depois rompeu com Vargas por causa da eleição do presidente da Câmara dos Deputados – ele apoiava o deputado Antônio Carlos, enquanto o presidente Vargas apoiou o vitorioso Pedro Aleixo.

Já no Estado Novo, Assis fez as pazes com o ditador Vargas e investiu maciçamente na pecuária e na agricultura.

Em 1947, fundou o Museu de Arte de São Paulo (MASP) constituindo um importante e valoroso acervo ante as acusações por chantagens dos “doadores” empresários e políticos.

Numa reviravolta fez campanha para o oposicionista Brigadeiro Eduardo Gomes, da UDN, nas eleições de 50, mas, com a posse do General Dutra, o apoiou em nome da conciliação nacional.

Em 1950, inaugurou a TV Tupi (SP), a primeira estação de TV da América Latina, e colocou vários aparelhos espalhados em bairros de São Paulo visando a sua popularização alcançando em pouco tempo uma grande audiência.

Numa jogada politica contestada, “renunciou” o senador Vergniaud Wanderley (UDN-PB), e o se suplente Antonio Pereira Diniz (UDN-PB), sendo Assis eleito senador numa eleição suplementar como candidato único pelo PSD-PB.

No Senado fez oposição ao presidente Vargas principalmente na questão da campanha “O Petróleo é Nosso”. Com a morte de Vargas, curiosamente o sucedeu na cadeira 37 da Academia Brasileira de Letras.

Foi derrotado na reeleição para o Senado Federal, mas, novamente numa manobra espetacular, conseguiu a renúncia do senador Alexandre Bayma (PSD-MA) e do seu suplente Newton Belo (PSD-MA) e elegeu-se senador pelo PSD do Maranhão.

Discretamente, apoiou a candidatura do presidente JK. Em entrevista, declarou que votou no escritor Plínio Salgado do PRP; em seguida, renunciou ao mandato de senador para exercer o cargo de embaixador do Brasil na Inglaterra.

Na década de 1960, mesmo adoentado, fez oposição ao presidente Jânio Quadros e depois a Joao Goulart , apoiando o movimento político-militar de 64, e lançou a “Campanha do Ouro para o Bem do Brasil”, conclamando o povo a doar suas joias para pagar a dívida externa do Brasil.

Faleceu em abril de 1968, deixando o condomínio dos Diários Associados com dezenas de jornais, revistas e emissoras de rádio e TV em todo o país.

Foi agraciado com a homenagem ao nome do município paranaense “Assis Chateaubriand”, se vivo fosse vociferaria com o dedo em riste : “Tinha que ser na minha terra – a Paraíba”

DECRETO-LEI Nº 4.737, DE 24 DE SETEMBRO DE 1942.

Revogado pela Lei nº 883, de 1949. Dispõe sobre o reconhecimento de filhos naturais

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, usando da atribuição que lhe confere o artigo 180 da Constituição,

DECRETA:

Art. 1º O filho havido pelo cônjuge fora do matrimônio pode, depois do desquite, ser reconhecido ou demandar que se declare sua filiação.

Art. 2º O presente decreto-lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

Rio de Janeiro, 24 de setembro de 1942, 121º da Independência e 54º da República.

GETÚLIO VARGAS
Alexandre Marcondes Filho

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