Batalha Musical por Brasília

Prof. Paulo Fernando Melo

 

No final da década de 50, quando da construção da Nova Capital, Brasília inspirou um duelo de canções, cerca de 70 músicas, a favor e contra com uma plêiade de intérpretes consagrados, nos mais variados ritmos desde o samba, hinos, valsas, cocos, chorinhos, baião e marchinhas de carnaval.

As canções retratavam a esperança, o entusiasmo, as dúvidas e as desconfianças advindas pela mudança da capital do Rio de Janeiro, chamada a Velhacap, para Brasília, a Novacap.

Os cariocas liderados pela UDN de Carlos Lacerda fizeram uma campanha ostensiva contra a mudança da capital, alegando o desperdício, o mal-uso do dinheiro público e a corrupção, já os partidários do pessedista JK alegavam o desenvolvimento e o futuro do país.

Machado de Assis escreveu em “A Semana “em 1896:

“(…) a própria cidade do Rio não reclamou nada, quando se discutiu a Constituição, não levou aos pés do legislador o seu passado, nem o seu presente, nem o seu provável futuro, não examinou se as capitais são ou não obras da história, não disse coisa nenhum(…)”.

No texto do Senador Rui Barbosa no art. 3º da Constituição Federal de 1891 asseverava:

“Art. 3º Fica pertencente à União, no Planalto Central da República, uma zona de 14.000 km², que será oportunamente demarcada para nela estabelecer a futura capital federal ”.

 

Antes mesmo da inauguração de Brasília em 1956, o Trio Amizade composto de Zé Micuim, Goiá e Goiazinho lançou a música “Brasília”:

“Um dia um engenheiro

Teve um grande ideal

Trazer para o Planalto

A Capital Federal”.

Na vizinha Planaltina de Goiás,a moda de viola de Erasmo de Castro evocava:

“Hoje é tudo diferente

Cheio de poluição

Se eu pudesse eu sumia

Até dentro de um balão

Sumia para bem longe

Levando minha ilusão

Lá bem alto no espaço

Eu voltava pros seus braços

Na hora da explosão”

Na marchinha “Nova Capital”,na voz de Linda Batista, entoava:

“Dizem é voz corrente em Goiás será a nova Capital. Leve tudo pra lá seu presidente, mas deixe aqui nosso carnaval.”

A resposta veio no samba “Vou pra Goiás”, na voz inconfundível de Nelson Gonçalves:

“Seu doutor, tá legal, chegou a hora de mudar a capital. Ai, meu Rio, meu Rio de Estácio de Sá. Adeus Pão de Açúcar e Corcovado, eu também vou pra lá”

E ficou o embate “toma lá, dá cá” com lançamentos de músicas favoráveis e contrárias à construção de Brasília.

No time de JK, foi escalado Dilermando Reis e Radamés Gnatalli com o samba-canção “Brasília “de 1957, Gordurinha e Ari Lobo lançaram “Homenagem a JK um coco além de um frevo-canção chamado “Palácio da Alvorada; já o famoso cantor Blecaute interpretou uma marcha “Um romance em Brasília” em 1959.

O Trio composto por Wilson Batista, Nássara e Jorge de Castro compuseram “Vou para Goiás”:

“Seu doutor, tá legal

Chegou a hora de mudar a capital.

Ai meu Rio, meu Rio de Estácio de Sá

Adeus Pão de Açúcar e Corcovado

Eu também, eu também vou pra lá

Vou deixar velhos amigos

Pois sempre fui um bom rapaz,

Adeus, minha Copacabana

Meu amor vai para Goiás”

Em 1958, no cinema a dupla de humoristas Grande Otelo e Ankito lançaram o filme ‘É de Chuá” e cantavam “Adeus, Mangueira”:

“Juscelino me chamou, eu vou morrer de saudade, mas vou, o homi tá chamando. Adeus, Mangueira, Adeus, meu Vigário Geral. Adeus, meu samba, Adeus, Capital Federal. Brasília me chamou pra trabalhar seu doutor da licença, minha gente vou levar”

Valdir Azevedo lançou em 1959 um choro “Dançando em Brasília e a renomada Isaurinha Garcia em 1960 o samba “Ninho de Nonô” que falava:

“Ninho do Nonô

Agora eu sei

Agora eu sei

Por o Nonô não desejou parar

Um momento sequer de voar

Um momento sequer de voar

É que o Nonô sem se cansar voou

Voou até achar o caminho

Pra fazer um belíssimo ninho”.

No carnaval de 58, foi sucesso o lançamento “Vamos pra Brasília”, de Valdir Ribeiro, Sebastião Gomes e Átila Bezerra, a letra intimava:

“Está na hora, Emília. Vamos embora pra Brasília. A Ideia não é má. Nasceu com JK. E vai ser um chuá”.

Edilásio Lopes em 1958 entoa “Palácio da Alvorada”:

“Ai, ai meu JK

Brasília é o futuro

Eu preciso ir para lá”

Em1959, Ari Lobo homenageia JK:

“O JK aceite a minha homenagem

Um mineiro de coragem

Eu tenho que elogiar.”

Na data da inauguração da Capital, o famoso radialista César de Alencar lançou o samba “21 de abril”.

No time adverso, foi escalado Altamiro Carrilho, Miguel Gustavo com o famoso palhaço Carequinha cantando a marcha ‘Brabuletas de Brasília” composta em 1958.

Também na voz do Carequinha com a “Nova Capital “ironizou a transferência da capital:

“Achemo as tabuleta de Brasília

Viemo lá da Nova Capitá

Vuemo tanto, meu rei

Vuemo tanto, meu rei

Que as nossas asas

tá cansada de avuar

Vuemo tanto, meu rei

Para brincar, meu rei

Durante os dias, meu rei

De carnavá”

O paraense Billy Blanco com o conjunto “Os cariocas” lançaram dois sambas “Não vou prá Brasília” e “Não vou, Não Vou”, em 1957:

“Não vou pra Brasília, não vou, não vou

Eu não sou índio nem nada. Não tenho orelha furada

Nem uso argola pendurada no nariz

Não uso tanga de pena

E a minha pele é morena

Do sol da praia, onde nasci e me criei”

“Não vou para Brasília

Nem eu nem minha família

Mesmo que seja pra ficar

Cheio de grana

A vida não se compara

Mesmo difícil e tão cara

Quero ser pobre sem deixar Copacabana”

Zé do Norte em 1957, em “Mudança da Capitá”, versou:

‘Pode levar, pode levar seu douto

O governo federal para a nova capitá

Mas deixe para o carioca o

Estádio Municipal “

Na pré-campanha presidencial de 1959, João Dias compôs “O Homem da Vassoura” para Jânio Quadros da UDN:

 

“O homem da vassoura vem aí

Vem aí já sei para onde vou com a família

Eu só queria, eu sou queria

Ver o homem da vassoura em Brasília”

 

O humorista Juca Chaves lançou o samba “Mudanças de Destino” em 1960, ironizando:

“Vou mudar o meu destino

Mudando de Capital viu

Juscelino, também vou pra bananal

Vou pedir ao presidente pra pedir ao Conselheiro

Pedir pro Israel Pinheiro

Um cartório de presente!

Muitas músicas retrataram Brasília desde a Sinfonia da Alvorada composta em 1960 por Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

O texto da “Prece Natalícia de Brasília”, lida no dia 21, às doze horas e trinta minutos, pelo seu autor, acadêmico Guilherme de Almeida, Príncipe dos Poetas defronte do marco histórico da cidade, na presença do presidente Juscelino Kubitschek:

“Agora e aqui é a Encruzilhada Tempo-Espaço, Caminho que vem do Passado e vai ao Futuro; caminho do Norte, do Sul, do Leste e do Oeste; caminho de ao longo dos séculos, caminho de ao longo do mundo : – agora e aqui todos se cruzam pelo sinal da Santa Cruz. Ave Cruz· Tanta cruz pelos caminhos, através tanto tempo e tanto espaço; Deus de braços abertos para os homens, do broquei dos Cruzados estampou-se, potentéia, ele goles e vazada, no velame elas naus da Descoberta. Do Restelo veio ela ao Mar Ignoto e, seguindo “por este mar de longo”, na passagem de linha, à noite, quando mergulhou no horizonte e Tramontana, o céu de lua-nova persignou-se no Cruzeiro do Sul de Mestre João. Vera Cruz, Santa Cruz – Chamou-se a terra achada e “em tal maneira graciosa” que deu árvore sua à cruz chantacla para a missa, e que foi padrão de posse, armoriada de quinas e castelos. Crucifixo foi a arma que, nas selvas, contra as flechas ervadas empunharam “Ad maiorem Dei gloriam” as missões. Signo heroico daqueles que partiam do cruzeiro dos adros aos sertões, foi o gesto, na gesta elas bandeiras elo que elevou a mão para benzer-se e levou-a depois à cruz da espada. Presidiu o amoroso cruzamento dos três sangues que as redes e as esteiras conchegaram nas ocas e senzalas. Subiu a um cadafalso de ignomínia para o beijo final de um sonhador. Sobre a esfera-armilar de uma coroa e no centro estelar de uma bandeira foi o fulcro supremo do poder. E da intersecção ele auroras e poentes – setas em cruz sobre arcos retesas – partiram os dias, partiram as noites, cruzaram os ares, cn1zaram as terras, por séculos e anos e luas e ….  .. E, um dia augurai, num alvo papel pregado à prancheta a cruz sempiterna pousou sua sombra e – um traço, outro traço – “do gesto primário de quem assinala um lugar” dois riscos cortando-se em ângulo reto, e, pois, de uma cruz nasceste, Brasília! E, sublimação do “gesto primário”, ponto de encontro das fundas raízes do Tempo e do Espaço, emerges ela terra em forma de cruz. E, porque és Cruz, és Fé; e, porque és Fé, Brasília, sozinho no plaino serás a intangível, a ilesa : na sombra, a teus pés, não se há de amar o torvo conluio dos quatro elementos, nem contra os teus muros as fúrias adversas prevalecerão. Chuva que te inunde, vento que te açoite, sol que te incendeie, bruma que te ofusque, astro que te agoure, raio que te toque : – tú secarás a chuva, 20 abaterás o vento, apagarás o sol, dissiparás a bruma, conjurarás o astro, embotarás o raio ! Aí estás, Brasília! e como estás vivendo belamente este instante que é, de todos os teus instantes, o eternizador; Aí estás, Brasília! E, como estás, pareces ave ele asas abertas sobre a terra: voo pousado para alçar-se, altivo! Aí estás Brasília do olhar de menina! Menina-dos-olhos olhando’ sem mágoa o Passado e sem medo o Futuro, sem ver horizontes na terra e no céu porque eles recuam ao impacto impetuoso das tuas pupilas; com teu meridiano que foi Tordesilhas : corda torcida que os teus ancestrais distenderam para que aos quatro ventos soltasse agora o teu gesto de setas – és tu, juvenil, “non urbs sed civitas”, o centro da Cruz Tempo-Espaço, plantada no teu Quadrilátero, com suas quatro hastes que são quatro séculos, e são quatro pontos cardiais, e são quatro ciclos de ação : o da Descoberta, o do Bandeirismo, o da Independência e o da Integração. Feita do fluxo e refluxo das forças que dão o poder, centrípeta para tornar-se centrífuga, Brasília, é a tua Cruz da Quarta Dimensão, e Tetragrama do Milagre Novíssimo que és tu; a que dirá “Presente !”, impávida, ao chamado elo fasto e elo nefasto; a que é o Marco Zero das vias todas, da mais ínvia à mais viável; o ímã para a limalha de aço do Trabalho; a ponta do compasso autor da Equidistância; Brasília, a tua Cruz que é Presépio também e a cujos pés a ti, no teu Natal, rogamos : – Barca de esperança, Carta de marear, Rosa-dos-ventos, Vela de conquista, Figura de proa, Bandeira de popa, Torre ele comando, Estrela do mareante, Porto de destino, Âncora de fineza, Portal do sertão Corda de arco, Ferpe de flecha, Doutrina da taba, Foice de desbravamento, Clareira na selva, Clarinada no ermo, Bateia ele garimpo, Diadema de esmeraldas, Crisol de raças, Ara de liberdade, Trono de império, Barrete frígio, Toque de alvorada, Meta das metas : – Vive por nós

O sino que repicou anunciando a morte de Tiradentes, o mártir da independência, fez-se ouvir no dia 21 de abril para comemorar o nascimento de Brasília como a Nova capital do Brasil, nome sugerido por José Bonifácio de Andrade durante os trabalhos da Assembleia Nacional Constituinte de 1823.

Em 1877, o Visconde de Porto Seguro  tratou do assunto da mudança da capital na obra “A questão da capital – marítima ou interior”.

Outro grande defensor da mudança para o interior da capital foi o escritor Plínio Salgado na obra ‘A Voz do Oeste” de 1934, assim como J.O.de Meira Penna no livro ‘Quando mudam as capitais” de 1958.

O hino oficial de Brasília, uma composição de Nair Pinho e Geir Campos, foi escolhido por uma banca de aprovação composta por Ademar Alves da Nóbrega, afilhado de Villa Lobos, Itiberê da Cunha, José Siqueira, Maestro Eleazar de Carvalho, Professor Humberto Gonçalves e o regente Francisco Mingone.

“Todo o Brasil vibrou
E nova luz brilhou
Quando Brasília fez maior a sua glória
Com esperança e fé
Era o gigante em pé
Vendo raiar outra alvorada em sua história

Com Brasília no coração
Epopeia surgir do chão
O candango sorri feliz
Símbolo da força de um país!

Todo o Brasil vibrou
E nova luz brilhou
Quando Brasília fez maior a sua glória
Com esperança e fé
Era o gigante em pé
Vendo raiar outra alvorada em sua história

Capital de um Brasil audaz
Bom na luta e melhor na paz
Salve o povo que assim te quis
Símbolo da força de um país!

Todo o Brasil vibrou
E nova luz brilhou
Quando Brasília fez maior a sua glória
Com esperança e fé
Era o gigante em pé
Vendo raiar outra alvorada em sua história!”

Muitos pensam que o hino oficial do DF é a linda canção “Brasília, Capital da Esperança” com letra do Capitão Furtado e música de Simão neto interpretado por Jorge Goulart.

“Em meio à terra virgem desbravada
na mais esplendorosa alvorada
feliz como um sorriso de criança
um sonho transformou-se em realidade
surgiu a mais fantástica cidade
Brasília, capital da esperança
Desperta o gigante brasileiro
desperta e proclama ao mundo inteiro
num brado de orgulho e confiança:
nasceu a linda Brasília
a capital da esperança
A fibra dos heroicos bandeirantes
persiste nos humildes e gigantes
que provam com ardor sua pujança,
nesta obra de arrojo que é Brasília.
Nós temos a oitava maravilha
Brasília, capital da esperança.”

Já durante o governo JK, a incomparável cantora de música raiz Inezita Barroso esteve em Brasília e cantou várias  modas de viola incluindo o “Pagode em Brasília” para o Presidente JK com um cachê alto e merecido.

Luís Gonzaga, o Rei do Baião, interpretou “Plano Piloto”, Alceu Valença “Te amo, Brasília”, Guilherme Arantes “Brasília”, Osvaldo Montenegro “Pra longe do Paranoá”, Toninho Horta “O Céu de Brasília” e bandas de rock também falaram de Brasília.

Há um grande campo de pesquisa a ser desbravado contando a respeito da cultura e a construção de Brasília aqui um pequeno passo registrado na consolidação de Brasília- : a Capital da Esperança.

Nova Capital

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